O atual conflito na Faixa de Gaza já dura um pouco mais de
um mês, sem perspectivas de um acordo de longo prazo que coloque fim à
violência que já matou mais de 1.900 pessoas, a maioria civis.
As cicatrizes do confronto são
visíveis, principalmente na Faixa de Gaza. De acordo com a ONU, cerca de 373
mil crianças irão necessitar de apoio psicossocial. Aproximadamente 485 mil
pessoas foram deslocadas para abrigos de emergência ou casas de outras famílias
palestinas.
Além disso, 1,5 milhão de pessoas que
não vivem em abrigos estão sem acesso a água potável.
Mas para compreender o conflito
israelense-palestino é preciso olhar além dos números.
A BBC responde a dez perguntas básicas
para entender por que esse antigo conflito entre israelenses e palestinos é tão
complexo e polarizado.
1. Como o conflito começou?
O movimento sionista, que procurava criar um Estado para os
judeus, ganhou força no início do século 20, incentivado pelo antissemitismo
sofrido por judeus na Europa.
A região da Palestina, entre o rio Jordão e o mar
Mediterrâneo, considerada sagrada para muçulmanos, judeus e católicos,
pertencia ao Império Otomano naquele tempo e era ocupada, principalmente, por
muçulmanos e outras comunidades árabes. Mas uma forte imigração judaica, alimentada
por aspirações sionistas, começou a gerar resistência entre as comunidades
locais.
Após a desintegração do Império Otomano na Primeira Guerra
Mundial, o Reino Unido recebeu um mandato da Liga das Nações para administrar o
território da Palestina.
Mas, antes e durante a guerra, os britânicos fizeram várias
promessas para os árabes e os judeus que não se cumpririam, entre outras
razões, porque eles já tinham dividido o Oriente Médio com a França. Isso
provocou um clima de tensão entre árabes e nacionalistas sionistas que acabou
em confrontos entre grupos paramilitares judeus e árabes.
Após a Segunda Guerra Mundial e depois do Holocausto,
aumentou a pressão pelo estabelecimento de um Estado judeu. O plano original
previa a partilha do território controlado pelos britânicos entre judeus e
palestinos.
Após a fundação de Israel, em 14 de maio de 1948, a tensão
deixou de ser local para se tornar questão regional. No dia seguinte, Egito,
Jordânia, Síria e Iraque invadiram o território. Foi a primeira guerra
árabe-israelense, também conhecida pelos judeus como a guerra de independência
ou de libertação. Depois da guerra, o território originalmente planejado pela
Organização das Nações Unidas para um Estado árabe foi reduzido pela metade.
Para os palestinos, começava ali a nakba, palavra em árabe
para "destruição" ou "catástrofe": 750 mil palestinos
fugiram para países vizinhos ou foram expulsos pelas tropas israelenses.
Mas 1948 não seria o último ano de confronto entre os dois
povos. Em 1956, Israel enfrentou o Egito em uma crise motivada pelo Canal de
Suez, mas o conflito foi definido fora do campo de batalha, com a confirmação
pela ONU da soberania do Egito sobre o canal, após forte pressão internacional
sobre Israel, França e Grã-Bretanha.
Em 1967, veio a batalha que mudaria definitivamente o
cenário na região - a Guerra dos Seis Dias. Foi uma vitória esmagadora para
Israel contra uma coalizão árabe. Após o conflito, Israel ocupou a Faixa de
Gaza e a Península do Sinai, do Egito; a Cisjordânia (incluindo Jerusalém
Oriental) da Jordânia; e as Colinas de Golã, da Síria. Meio milhão de
palestinos fugiram.
Israel e seus vizinhos voltaram a se enfrentar em 1973. A
Guerra do Yom Kippur colocou Egito e Síria contra Israel numa tentativa dos
árabes de recuperar os territórios ocupados em 1967.
Em 1979, o Egito se tornou o primeiro país árabe a chegar à
paz com Israel, que desocupou a Península do Sinai. A Jordânia chegaria a um acordo
de paz em 1994.
2. Por que Israel foi fundado no
Oriente Médio?
A religião judaica diz que a área em que Israel foi fundado
é a terra prometida por Deus ao primeiro patriarca, Abraão, e seus
descendentes.
A região foi invadida pelos antigos assírios, babilônios,
persas, macedônios e romanos. Roma foi o império que nomeou a região como
Palestina e, sete décadas depois de Cristo, expulsou os judeus de suas terras
depois de lutar contra os movimentos nacionalistas que buscavam independência.
Com o surgimento do Islã, no século 7 d.C., a Palestina foi
ocupada pelos árabes e depois conquistada pelas cruzadas europeias. Em 1516,
estabeleceu-se o domínio turco, que durou até a Primeira Guerra Mundial, quando
o mandato britânico foi imposto.
A Comissão Especial das Nações Unidas para a Palestina disse
em seu relatório à Assembleia Geral em 3 de setembro de 1947 que as razões para
estabelecer um Estado judeu no Oriente Médio eram baseados em "argumentos
com base em fontes bíblicas e históricas", na Declaração de Balfour de
1917 - em que o governo britânico se pôs favorável a um "lar
nacional" para os judeus na Palestina - e no mandato britânico na
Palestina.
Reconheceu-se a ligação histórica do povo judeu com a
Palestina e as bases para a constituição de um Estado judeu na região.
Após o Holocausto nazista contra milhões de judeus na Europa
durante a Segunda Guerra Mundial, cresceu a pressão internacional para o
reconhecimento de um Estado judeu.
Sem conseguir resolver a polarização entre o nacionalismo
árabe e o sionismo, o governo britânico levou a questão à ONU.
Em 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral aprovou um
plano de partilha da Palestina, que recomendou a criação de um Estado árabe
independente e um Estado judeu e um regime especial para Jerusalém.
O plano foi aceito pelos israelenses mas não pelos árabes,
que o viam como uma perda de seu território. Por isso, nunca foi implementado.
Um dia antes do fim do mandato britânico da Palestina, em 14
de maio de 1948, a Agência Judaica para Israel, representante dos judeus
durante o mandato, declarou a independência do Estado de Israel.
No dia seguinte, Israel solicitou a adesão à ONU, condição
que alcançou um ano depois. Hoje, 83% dos membros da ONU reconhecem Israel (160
de 192).
3. Por que há dois territórios
palestinos?
Relatório da Comissão Especial das Nações Unidas para a
Palestina à Assembleia Geral, em 1947, recomendou que o Estado árabe incluiria
a área oeste da região da Galileia, a região montanhosa de Samaria e Judeia com
a exclusão da cidade de Jerusalém e a planície costeira de Isdud até a
fronteira com o Egito.
Mas a divisão do território foi definida pela linha de
armistício de 1949, estabelecida após a primeira guerra árabe-israelense.
Os dois territórios palestinos são a Cisjordânia (incluindo
Jerusalém Oriental) e a Faixa de Gaza. A distância entre eles é de cerca de 45
km de distância. A área é de 5.970 km2 e 365 km2, respectivamente.
Originalmente ocupada por Israel, que ainda mantém o
controle de sua fronteira, Gaza foi ocupada pelo Exército israelense na guerra
de 1967 e foi desocupada apenas em 2005. O país, no entanto, mantém um bloqueio
por ar, mar e terra que restringe a circulação de mercadorias, serviços e
pessoas.
Gaza é atualmente controlada pelo Hamas, o principal grupo
islâmico palestino que nunca reconheceu os acordos assinados entre Israel e
outras facções palestinas.
A Cisjordânia é governada pela Autoridade Nacional
Palestina, governo palestino reconhecido internacionalmente, cujo principal
grupo, o Fatah, é laico.
4. Israelenses e palestinos nunca se
aproximaram da paz?
Após a criação do Estado de Israel e o deslocamento de
milhares de pessoas que perderam suas casas, o movimento nacionalista palestino
começou a se reagrupar na Cisjordânia e em Gaza, controlados pela Jordânia e
Egito, respectivamente, e nos campos de refugiados criados em outros países
árabes.
Pouco antes da guerra de 1967, organizações palestinas como
o Fatah, liderado por Yasser Arafat, formaram a Organização para a Libertação
da Palestina (OLP) e lançaram operações contra Israel, primeiro a partir da
Jordânia e, depois, do Líbano. Os ataques também incluíram alvos israelenses em
solo europeu.
Em 1987, teve-se início o primeiro levante palestino contra
a ocupação israelense. A violência se arrastou por anos e deixou centenas de
mortos. Um dos efeitos da intifada foi a assinatura, entre a OLP e Israel em
1993, dos acordos de paz de Oslo, nos quais a organização palestina renunciou à
"violência e ao terrorismo" e reconheceu o "direito" de
Israel "de existir em paz e segurança", um reconhecimento que o Hamas
nunca aceitou.
Após os acordos assinados em Oslo, foi criada a Autoridade
Nacional Palestina, que representa os palestinos nos fóruns internacionais. O
presidente é eleito por voto direto. Ele, por sua vez, escolhe um
primeiro-ministro e os membros de seu gabinete. Suas autoridades civis e de
segurança controlam áreas urbanas (zona A, segundo Oslo). Somente
representantes civis - e não militares - governam áreas rurais (área B).
Jerusalém Oriental, considerada a capital histórica de
palestinos, não está incluída neste acordo e é uma das questões mais polêmicas
entre as partes.
Mas, em 2000, a violência voltou a se intensificar na
região, e teve início a segunda intifada palestina. Desde então, israelenses e
palestinos vivem num estado de tensão e conflito permanentes.
5. Quais são os principais pontos de
conflito?
A demora na criação de um Estado palestino independente, a
construção de assentamentos israelenses na Cisjordânia e a barreira construída
por Israel - condenada pelo Tribunal Internacional de Haia - complicam o
andamento de um processo paz.
Mas estes não são os únicos obstáculos, como ficou claro no
fracasso das últimas negociações de paz sérias, em Camp David, nos Estados
Unidos, em 2000, quando o então presidente Bill Clinton não conseguiu chegar a
um acordo entre Arafat e o primeiro-ministro de Israel, Ehud Barak.
As diferenças que parecem irreconciliáveis são:
Jerusalém: Israel reivindica soberania sobre a cidade
inteira (sagrada para judeus, muçulmanos e cristãos) e afirma que a cidade é
sua capital “eterna e indivisivel”, após ocupar Jerusalém Oriental em 1967. A
reivindicação não é reconhecida internacionalmente. Os palestinos querem
Jerusalém Oriental como sua capital.
Fronteiras: os palestinos exigem que seu futuro Estado seja
delimitado pelas fronteiras anteriores a 4 de junho de 1967, antes do início da
Guerra dos Seis Dias, o que incluiria Jerusalém Oriental, o que Israel rejeita.
Assentamentos: ilegais sob a lei internacional, construídos
pelo governo israelense nos territórios ocupados após a guerra de 1967. Na
Cisjordânia e em Jerusalém Oriental há mais de meio milhão de colonos judeus.
Refugiados palestinos: os palestinos dizem que os refugiados
(10,6 milhões, de acordo com a OLP, dos quais cerca de metade são registrados
na ONU) têm o direito de voltar ao que é hoje Israel. Mas, para Israel,
permitir o retorno destruiria sua identidade como um Estado judeu.
6. A Palestina é um país?
A ONU reconheceu a Palestina como um "Estado observador
não membro" no final de 2012, deixando de ser apenas uma "entidade”
observadora.
A mudança permitiu aos palestinos participar de debates da
Assembleia Geral e melhorar as chances de filiação a agências da ONU e outros
organismos.
Mas o voto não criou um Estado palestino. Um ano antes, os
palestinos tentaram, mas não conseguiram, apoio suficiente no Conselho de
Segurança.
Quase 70% dos membros da Assembleia Geral da ONU (134 de
192) reconhecem a Palestina como um Estado.
7. Por que os EUA são o principal
parceiro de Israel? Quem apoia os palestinos?
A existência de um importante e poderoso lobby pró-Israel
nos Estados Unidos e o fato da opinião pública ser frequentemente favorável a
Israel faz ser praticamente impossível a um presidente americano retirar apoio
a Israel.
De acordo com uma pesquisa encomendada pela BBC no ano
passado em 22 países, os EUA foram o único país ocidental com opinião favorável
a Israel, e o único país na pesquisa com uma maioria de avaliações positivas (51%).
Além disso, ambos os países são aliados militares: Israel é
um dos maiores receptores de ajuda americana, grande parte destinada a
subsídios para a compra de armas.
Palestinos não têm apoio aberto de nenhuma potência.
Na região, o Egito deixou de apoiar o Hamas, após a
deposição pelo Exército do presidente islamita Mohamed Morsi, da Irmandade
Muçulmana - historicamente associada ao Hamas. Hoje em dia o Catar é o
principal país que apoia o Hamas.
8. Por que estão se enfrentando agora?
Após o colapso das negociações de paz patrocinadas pelos
Estados Unidos e o anúncio, no início de junho, de um governo de união nacional
entre as facções palestinas Fatah e Hamas, considerado inaceitável por Israel,
iniciou-se uma nova onda de violência.
No dia 12 de junho, três jovens israelenses foram
sequestrados na Cisjordânia e, dias depois, encontrados mortos. Israel culpou o
Hamas e prendeu centenas de membros do grupo.
Israel reconheceu posteriormente que não poderia garantir se
os responsáveis teriam sido o Hamas ou um grupo independente.
Após as prisões, o Hamas disparou foguetes contra território
israelense. Israel lançou ataques aéreos em Gaza.
Em 2 de julho, um dia após o funeral dos jovens israelenses,
um palestino de 16 anos foi sequestrado em Jerusalém Oriental e assassinado.
Três israelenses foram acusados de queimá-lo vivo e, em Gaza, houve um aumento
do disparo de foguetes contra Israel.
No dia 8 de julho, o Exército de Israel lançou uma operação
contra militantes do Hamas na Faixa de Gaza.
9. Como israelenses e palestinos
justificam a violência?
A decisão de iniciar uma incursão terrestre em Gaza tem,
segundo Israel, um objetivo: desarmar os militantes palestinos e destruir os
túneis construídos pelo Hamas e outros grupos a fim de se infiltrar em Israel
para realizar ataques.
Israel quer o fim do lançamento de foguetes do Hamas contra
território israelense. A maioria dos foguetes não tem nenhum impacto, já que o
país conta com um sistema antimísseis avançado, o Domo de Ferro.
Israel diz ter o direito de defender-se e acusa o Hamas de
usar escudos humanos e realizar ataques a partir de áreas civis em Gaza. O
grupo palestino nega.
O Hamas diz que lança foguetes contra Israel em legítima
defesa, em retaliação à morte de partidários do grupo por Israel e dentro de
seu direito de resistir à ocupação e ao bloqueio.
10. O que falta para que haja uma
oportunidade de paz duradoura?
Israelenses teriam de aceitar a criação de um Estado
soberano para os palestinos, o fim do bloqueio à Faixa de Gaza e o término das
restrições à circulação de pessoas e mercadorias nas tres áreas que formariam o
Estado palestino: Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Faixa de Gaza.
Grupos palestinos deveriam renunciar à violência e
reconhecer o Estado de Israel.
Além disso, eles teriam que chegar a acordos razoáveis sobre
fronteiras, assentamentos e o retorno de refugiados.
No entanto, desde 1948, ano da criação do Estado de Israel,
muitas coisas mudaram, especialmente a configuração dos territórios disputados
após as guerras entre árabes e israelenses.
Para Israel, estes são fatos consumados, mas os palestinos
insistem que as fronteiras a serem negociadas devem ser aquelas existentes
antes da guerra de 1967.
Além disso, enquanto no campo militar as coisas estão cada
vez mais incontroláveis na Faixa de Gaza, há uma espécie de guerra silenciosa
na Cisjordânia, com a construção de assentamentos israelenses, o que reduz, de
fato, o território palestino nestas áreas.
Mas talvez a questão mais complicada pelo seu simbolismo seja
Jerusalém, a capital tanto para palestinos e israelenses.
Tanto a Autoridade Palestina, que governa a Cisjordânia,
quanto o grupo Hamas, em Gaza, reivindicam a parte oriental como a capital de
um futuro Estado palestino, apesar de Israel tê-la ocupado em 1967.
Um pacto definitivo
nunca será possível sem resolver este ponto.
Fonte: http://www.bbc.co.uk/