Para pensar...

Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”

Amyr Klink

terça-feira, 31 de maio de 2011

El Niño e La Niña

O El Niño foi assim batizado por pescadores peruanos e o nome é uma referência ao menino Jesus. Isso porque perto do Natal costuma chegar ao mar da região uma corrente marítima quente, sendo que, em certas épocas, a temperatura excede o normal. O nome desse fenômeno climático não deixa de trazer consigo uma certa dose de ironia. Ao contrário de Jesus, que fazia o milagre da multiplicação dos peixes, o El Niño significava para os pescadores peruanos um longo período sem trabalho.

Esse fenômeno, também chamado de “episódio quente”, é uma combinação entre o aquecimento anormal do oceano Pacífico e o enfraquecimento dos ventos alísios (que sopram de leste para oeste) na região equatorial. Essa conjugação de acontecimentos provoca mudanças na circulação da atmosfera, e portanto fenômenos como secas e enchentes são observados em várias partes do globo de cada dois a sete anos.

Para entendermos melhor o impacto do El Niño é preciso conhecer como é o oceano Pacífico sem ele. Vamos imaginar uma piscina cheia de água, num dia ensolarado. Se colocarmos nas bordas um grande ventilador, o vento (ventos alísios) formará uma turbulência na água. Com o passar do tempo, haverá um represamento no lado oposto ao ventilador e o nível da água próximo ao ventilador será um pouco menor que o do lado oposto. Isso ocorre porque o vento está “empurrando” as águas superficiais para o outro lado, expondo águas mais frias das partes mais profundas da piscina.

Isso nos remete a outro fator importante da nossa história. Os ventos alísios, junto à costa oeste da América do Sul, favorecem um mecanismo chamado pelos oceanógrafos de ressurgência, que seria o afloramento de águas mais profundas do oceano.

Com o deslocamento das águas quentes, as camadas mais frias chegam à superfície, com mais oxigênio dissolvido e carregadas de nutrientes e microrganismos vindos das profundezas do mar, que servirão de alimento para os peixes. Não é por acaso que a costa oeste da América do Sul é uma das regiões mais piscosas do mundo. O que surge também é uma cadeia alimentar, pois os pássaros que vivem naquela região se alimentam dos peixes, que por sua vez se alimentam dos microrganismos e nutrientes daquela região.

Desligando o ventilador

Vamos agora voltar ao nosso “modelinho”. Desligue o ventilador, ou coloque-o em potência mínima. O que irá acontecer? O arrasto que os “ventos alísios” provocavam na água da piscina irá desaparecer ou diminuir. As águas do lado oposto ao


ventilador irão então refluir para que o mesmo nível seja observado em toda a piscina. O calor do sol, teoricamente, atingirá por igual todos os pontos da superfície da água.


Agora, todo o oceano Pacífico Equatorial começa a se aquecer. Esse aumento de temperatura gera evaporação com movimento ascendente que, por sua vez, gera a formação de nuvens. A diferença agora é que em vez de observarmos a formação de nuvens com intensas chuvas próximas à Ásia no
Pacífico Equatorial Ocidental (quando a água quente era deslocada pelos alísios), vamos observar o aumento de chuva nas regiões do Taiti e da costa oeste da América do Sul, no Pacífico Equatorial Central e Oriental.


Mas as transformações climáticas têm reflexos em outras regiões do planeta além do eixo leste-oeste do Pacífico. No Brasil, as porções norte e leste da Amazônia e o norte da região Nordeste enfrentam períodos de estiagem durante a estação chuvosa (de fevereiro a maio). No Sudeste ocorre um aumento de temperatura principalmente no inverno e no verão, mas não há padrão característico de mudança das chuvas durante o fenômeno, com exceção do extremo sul do estado de São Paulo. O problema com as chuvas ocorre principalmente nas regiões Centro-Oeste e Sul do país. Em maio de 1983, o El Niño provocou uma das piores enchentes da história do estado de Santa Catarina. A Austrália, África e Indonésia sofreram tempestades de poeira e incêndios florestais. O Peru foi atingido pela pior tempestade de que se tem notícia. Alguns de seus rios subiram mil vezes acima do leito normal. Calcula-se que o fenômeno foi responsável pela morte de 2 mil pessoas no mundo e por um prejuízo de US$ 13 bilhões de dólares na economia.


Em 1997, ocorreu um dos mais fortes El Niños já registrado no planeta. Houve intensa seca na região da Indonésia e na Austrália. A população, em muitas regiões, utilizava máscaras, tamanho eram os índices de poluição na região, provocados pelas queimadas e pela poluição das grandes cidades. Por causa disso, foram registrados alguns acidentes por falta de visibilidade. No Brasil, observaram-se enchentes nos estados da região Sul. No ano de 1998, uma grande seca em Roraima provocou uma das piores queimadas da região. Foi observada uma intensa seca no norte da região Nordeste (região semi-árida) que espalhou muita fome e miséria.

Mas, apesar de tudo, enquanto o El Niño espalha medo, existe um pedaço do mundo que respira aliviado nos anos em que o fenômeno se manifesta. Com as mudanças que ocorrem na circulação atmosférica, os ventos em altos níveis da atmosfera se modificam no Atlântico Tropical Norte e isso dificulta a formação de furacões naquela região e no Caribe.

Como ocorre?
Essa é uma pergunta que eu também faço. Por que há aquecimento em alguns anos e em outros não? É interessante, pois no presente momento conseguimos dizer com antecedência quando irá começar um novo El Niño, o que ele poderá ocasionar, quando irá terminar. No entanto, não sabemos ao certo o porquê do aquecimento anômalo. Existem várias teorias, mas nenhuma, até hoje, explica todos os aspectos do fenômeno. Alguns chegam mesmo a dizer que os responsáveis pelo aquecimento são os vulcões submersos no oceano. Outros dizem que os El Niños coincidem com as manchas solares. Mas estas duas teorias já foram descartadas. A teoria mais aceita atualmente é chamada de oscilador-retardado (em inglês, delayed oscillator). A teoria se refere a uma formulação muito complexa que incorpora interações entre o oceano e a atmosfera e está relacionada a ondas oceânicas chamadas de Rossby e Kelvin e ao tamanho da bacia do Pacífico, que é muito grande. Entretanto, o que sabemos é que a principal fonte geradora do aquecimento é o Sol. Porém existe uma interação extremamente complexa entre a atmosfera e o oceano que até hoje ninguém conseguiu explicar exatamente.


Para finalizar, é importante entender o “diálogo” que existe entre a atmosfera e o oceano, que na verdade é uma espécie de ciclo, para perceber como eles estão intimamente interligados: mudanças na intensidade dos ventos alísios ao longo do Equador induzem a mudanças nas correntes oceânicas e na ressurgência, que induzem a mudanças na temperatura do oceano, que altera a distribuição da precipitação, que altera a intensidade dos ventos alísios ao longo do equador, que induzem…


Gilvan Sampaio é autor de livros e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

La Niña

O termo La Niña (“a menina”, em espanhol) surgiu porque o fenômeno se caracteriza por ser oposto ao El Niño. Pode ser chamado também de episódio frio, ou ainda El Viejo (em espanhol, “o velho”).

Para entender La Niña, vamos retornar ao nosso “modelo” feito para explicar o que ocorre normalmente no Pacífico Equatorial, que seria o exemplo da piscina com o ventilador ligado, que faria com que as águas da piscina fossem empurradas para o lado oposto ao ventilador. Pois bem, agora, em vez de desligar o ventilador, vamos ligá-lo com potência maior. Ou seja, fazer com que ele produza ventos mais intensos. O que acontecerá?


Com os ventos mais intensos, maior quantidade de água vai se acumular no lado oposto ao ventilador na piscina. Com isso, o desnível entre um lado e outro da piscina também vai aumentar. Vamos retornar ao oceano Pacífico. Com os ventos alísios (que seriam os ventos do ventilador) mais intensos, mais águas irão ficar “represadas” no Pacífico Equatorial Oeste e o desnível entre o Pacífico Ocidental e Oriental irá aumentar. Com os ventos mais intensos, a ressurgência também irá aumentar na costa oeste sul-americana (no Pacífico Equatorial Oriental) e, portanto, virão mais nutrientes das profundezas para a superfície do oceano, ou seja, aumenta a chamada ressurgência no lado oriental do Pacífico Equatorial.


Por outro lado, devido à maior intensidade dos ventos alísios, as águas mais quentes irão ficar represadas mais a oeste do que o normal e, portanto, novamente teríamos aquela velha história: águas mais quentes geram evaporação e conseqüentemente movimentos ascendentes, que por sua vez geram nuvens pluviométricas e, em anos de La Niña, os períodos de chuva ficam maiores que o normal. A região com grande quantidade de chuvas é a do nordeste do oceano Índico, a oeste do oceano Pacífico, passando pela Indonésia. Já no Pacífico Equatorial Central e Oriental ocorre mais seca. Em geral, episódios Las Niñas também têm freqüência de dois a sete anos, todavia têm ocorrido em menor quantidade que o El Niño durante as últimas décadas. Além do mais, enquanto o El Niño provoca um aumento de cerca de 5 °C na temperatura, no La Niña as maiores anomalias observadas ficam de 3 a 4 °C abaixo do normal.

No Brasil, os principais efeitos do La Niña são passagens rápidas de frentes frias na região Sul do país, com uma diminuição na precipitação entre junho a fevereiro – fenômeno que também atinge o centro-nordeste da Argentina e o Uruguai. O Nordeste também enfrenta mais frentes frias, no litoral da Bahia, Sergipe e Alagoas, e chuvas acima da média na região semi-árida. Há tendência de chuvas abundantes no norte e leste da Amazônia. As vazões do rio Amazonas e as cotas do rio Negro (em Manaus), em eventos passados mostraram valores maiores que a média.

Revista Discutindo Geografia

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